sexta-feira, 14 de março de 2008

Café, o fruto dos deuses


A origem do café é atribuída a uma lenda do século III d.C. na qual um pastor de cabras, ficou ansioso por alguns animais não retornarem ao rebanho como de costume. Saiu para procurá-los e os encontrou saltitando próximos a um arbusto mastigando seus frutos, o que aparentemente resultou em uma energia nunca vista até então pelo pastor! Ao experimentar o belo frutinho, descobriu que aquela sensação também era possível para ele. Kaldi [o pastor] levou, o que chamou de "dádiva divina" a um mosteiro próximo dali, mas com a rejeição por parte dos monges que diziam que “o fruto era obra do demônio”, ele ateou fogo nas árvores. O aroma exalado pelos frutos torrados nas chamas atraiu todos os monges para descobrir o que estava causando aquele perfume e os grãos de café foram separados das cinzas e recolhidos. Encantado com o odor, o superior do mosteiro mudou de idéia e sugeriu que os grãos fossem esmagados na água para ver em que tipo de infusão resultaria e logo descobriram que o preparado os mantinha acordados durante as orações e períodos de meditação. As notícias dos maravilhosos poderes da bebida espalharam-se de um monastério a outro e, assim, aos poucos por todo o mundo.

As evidências botânicas sugerem que a planta do café origina-se na Etiópia Central (onde ainda crescem vários milhares de pés acima do nível do mar). Ninguém parece saber exatamente quando o primeiro café foi tomado lá (ou em qualquer parte), mas os registros dizem que foi tomado em sua terra nativa em meados do século XV. Também cultivado no Iêmen (antiga Arábia), com a aprovação do governo, aproximadamente na mesma época, e pensa-se que talvez os persas levaram-no para a Etiópia no século VI d.C., período em que invadiram a região. À medida que a fama do café foi crescendo o grão se tornava popular e salas especiais em casas de fazendeiros foram reservadas para se tomar café, e casas comerciais especializadas começaram a aparecer nas cidades. A primeira foi aberta em Meca, no final do século XV e início do XVI e, embora originalmente fossem lugares de reuniões religiosas, esses amplos saguões onde os clientes se sentavam em esteiras de palha ou colchões sobre o chão, rapidamente tornaram-se centros de música, dança, jogos e conversas em locais em que se faziam negócios.

Sua popularidade espalhou-se por Cairo, Constantinopla e todas as partes do Oriente Médio, mas os muçulmanos devotos desaprovavam todas as bebidas tóxicas, incluindo o café, e consideravam as casas de café como uma ameaça à observância religiosa. Enquanto isso, comerciantes europeus da Holanda, Alemanha e Itália certamente estavam exportando grãos e, também, tentando introduzir a lavoura em suas colônias. Os holandeses foram os primeiros a iniciar o cultivo comercial no Sri Lanka, em 1658, e então em Java, em 1699, e por volta de 1706 eles estavam exportando o primeiro café de Java e estendendo a produção para outras partes da Indonésia. Em 1714, os holandeses bem-sucedidos presentearam Luís XIV da França com um pé de café que cresceu numa estufa em Versailles e quando deu frutos, as sementes foram espalhadas e as mudas foram levadas para o cultivo na ilha de Réunion, na época chamada de Ilha de Bourbon.

A chegada ao Brasil

Em 1727 os portugueses compreenderam que a terra do Brasil tinha todas as possibilidades que convinham à cafeicultura. Mas infelizmente eles não possuíam nem plantas nem grãos. O governo do Pará, encontrou um pretexto para enviar, um oficial a Guiana Francesa, com uma missão simples: pedir ao Governador M. d’Orvilliers algumas mudas. O Governador, seguindo ordens expressas do rei da França, não atendeu ao pedido. Quanto à Mme. d’Orvilliers, esposa do Governador da Guiana Francesa, não resistiu por muito tempo aos encantos do jovem tenente. Quando ele já regressava ao Brasil, Mme. d’Orvilliers enviou-lhe um ramo de flores onde, dissimuladas pela folhagem, se encontravam escondidas as sementes a partir das quais cresceria o poderoso império brasileiro do café.

Do Pará, para o Maranhão e, por volta de 1760, trazida para o Rio de Janeiro por João Alberto Castelo Branco, onde se espalhou pela Baixada Fluminense e posteriormente pelo Vale do Paraíba. O surto e incremento da produção do café foram favorecidos por uma série de fatores existentes à época da Independência. As culturas do açúcar e do algodão estavam em crise, batidas no mercado internacional pela produção das Antilhas e dos EUA; por isso, os fazendeiros precisavam encontrar outro produto de fácil colocação no mercado internacional. A decadência da mineração libertou mão-de-obra e recursos financeiros na região Centro-Sul (Minas Gerais e Rio de Janeiro, principalmente) que podiam ser aplicados em atividades mais lucrativas. No mundo, a produção brasileira foi favorecida pelo colapso dos cafezais de Java (devido a uma praga) e do Haiti (devido aos levantes de escravos e á revolução que tornou o país independente). Outros fatores decisivos foram a estabilização do comércio internacional depois do Tratado de Versalhes, 1815 e da expansão das demandas européia e americana por uma bebida barata.

A importância econômica do café refletiu-se na sua expansão geográfica. No início, difundiu-se pelo Vale do Paraíba (Rio de Janeiro e São Paulo), Sul de Minas e Espírito Santo. Depois, atingiu Campinas, no "Oeste Velho" de São Paulo; dali, para o chamado "Oeste Novo" (Ribeirão Preto e Araraquara) e passou, mais tarde, para as regiões de terra roxa do Norte do Paraná e Mato Grosso. Atualmente, as áreas de cultivo localizam-se nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo e Bahia. Após a grande geada de 1975, houve um deslocamento das principais zonas produtoras do Norte do Paraná para áreas de clima mais favorável, como o sul de Minas Gerais e o interior capixaba.

Na década de 1830/ 1840, o produto assumiu a liderança das exportações brasileiras, com mais de 40% do total; o Brasil tornou-se, em 1840, o maior produtor mundial de café. Na década 1870/ 1880, o café passou a representar até 56% do valor das exportações. Começou então o período áureo do chamado ciclo do café que durou até 1930; no final do séc. XIX, o café representava 65% do valor das exportações do país, chegando a 70% na década de 1920.

Contudo, a crise da Bolsa de Nova York (1929) forçou a queda brusca no preço internacional do café (que caiu,em 1930, para pouco mais que a metade de seu valor em 1928), que continuou em queda até menos de 40% em 1931, ficando nesses níveis baixos durante muitos anos: só em 1947 é que os preços voltaram aos níveis de 1928. Essa situação agravou a crise de superprodução do café, cujos primeiros sinais apareceram no início do séc. XX.

Para enfrentar essa crise, os governadores dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro reuniram-se no chamado Convênio de Taubaté, que definiu uma política para a valorização do produto: os governos estaduais comprometeram-se a comprar toda a produção e usar os estoques como instrumentos para impedir quedas e oscilações no preço do produto, além de proibir novos plantios. O Convênio de Taubaté representou a primeira intervenção oficial em defesa do café. Nos anos seguintes, o governo federal também tomou iniciativas nesse sentido. Mais tarde, após a crise de superprodução mundial de 1957, os países produtores e os grandes consumidores criaram o Acordo Internacional do Café (1962), que estabeleceu quotas de exportação para os países-membros.

O chamado "ciclo do café" teve repercussões econômicas e sociais importantes no Brasil. A expansão da lavoura levou à ampliação das vias férreas, principalmente em São Paulo; os portos do Rio de Janeiro e de Santos foram modernizados para sua exportação; a necessidade de mão-de-obra trouxe imigrantes europeus, principalmente depois da Abolição dos escravos; o café foi o primeiro produto de exportação controlado principalmente por brasileiros, possibilitando o acúmulo de capitais no país. Em conseqüência, criou-se um mercado interno importante, principalmente no Centro-Sul, que foi o suporte para um desenvolvimento sem precedentes das atividades industriais, comerciais e financeiras. O café, sobretudo, consolidou a hegemonia política e econômica do Centro-Sul, transformando-o na região brasileira onde o desenvolvimento capitalista foi pioneiro e mais acentuado.

Fontes:
Grande Enciclopédia Larousse Cultural
CAFÉ - La Dolce Vita - Asa Editores Ltda.
Aroma de Café - Luiz Norberto Pascoal
Le Café - Anne Vantal